O Grande Peixe entre Cânticos e Presentes

O Grande Peixe entre Cânticos e Presentes

* Babalorixá Vilson Caetano

O presente a Yemanjá, sempre realizado no dia 2 de fevereiro, foi impactado neste ano de 2021 pelas restrições impostas à praia do Rio Vermelho. Fato é que a Rainha do Mar, como é também chamada, recebe culto ao longo de todo o litoral brasileiro, ou melhor, em toda a América. Definitivamente, a Mãe dos Orixás iorubanos é o Orixá mais festejado no mundo. Seu culto adentra diversas camadas sociais e diferentes modelos religiosos.

Yemanjá é a Mãe do Novo Mundo. Ao culto originário do povo Egba iniciado nas águas do Rio Ogun, migrado para Abeokuta, a Mãe dos Orixás chega até nós trazendo o que há de mais profundo, a sua relação com as águas. Ou melhor, com todas as águas, e aqui se podem juntar a outras expressões referentes à forma de peixe, como Iara, a Mãe D’Água. O culto à “Dona das Águas“, utilizando a expressão num amplo sentido, chama-nos a atenção para várias coisas, dentre elas, a responsabilidade que devemos ter com a natureza, porque a continuidade da nossa vida depende dela. Este é um dos ensinamentos que podemos tirar da noção de Presente.

O Presente é um troca. Não é isso que afirmamos quando repetimos, todos os anos, a história da origem da festa entre nós? É uma forma de agradecer, e nada o substitui. Oferece-se o que se quer receber. Mas o que oferecer às águas? Sempre nos perguntam e eu não tardo a responder: tudo o que o peixe come, afinal “Yemanjá é um grande peixe”! A partir desta máxima, podemos pensar sobre várias coisas que a gente incorporou ao presente a Yemanjá ao longo do tempo, apenas porque achamos bonito.

O que mais falar sobre Yemanjá? Ah! Que Ela também é reverenciada como Mãe dos Astros, daí a sua aparição associada à lua e às estrelas. Ela é lembrada também como Iya Xangô, literalmente, “Mãe de Xangô”, mas também Iya Ogun, “Mãe de Ogun”, que pode também significar “Mãe da Guerra”. Isso mesmo, porque nem a mais perversa escravidão, que modificou as suas características, foi capaz de retirar das mãos de Yemanjá a espada com a qual ensinou Ogun a lutar, e onde isso aconteceu, o inkise Kaiala, dos povos de nação Angola e Congo, devolveu-lhe. Dona do Mar, Sereia, Rainha das Águas, Dona das Águas, Princesa de Aioká, Dona Janaina, Inaê, Iara, Iya Ori, e tantos outros nomes, a Mãe do Mundo cobre os seus filhos e filhas com as cores dos oceanos.

Estas, ora verdes, ora azuis ou simplesmente cristalinas, confundem-nos os olhos que marejam diante da infinitude colocada diante de nós. Vida longa ao Mar! Vida longa aos filhos e filhas de Yemanjá! Vida longa a todos que se colocam com a mesma atitude dos pescadores e marisqueiras! Que estendamos este presente para os outros dias da nossa vida! Afinal, todos os dias são de festa no mar, e todos os dias têm uma festa na terra quando o pescador retorna. Viva a Rainha do Mar e patrona da Casa do Rei e Senhor das Alturas!

* Vilson Caetano é Pós-doutor em Antropologia pela UNESP, professor da UFBA na Escola de Nutrição e no Programa de Pós-doutorado em Antropologia, Babalorixá do Ilê Obá L´Okê e escritor.